A Farsa da Austeridade: quando o Congresso chantageia o Brasil
Relações obscenas: fintechs, agronegócio e mercados

Por: @cezinhamarques
Enquanto o Brasil encara mais uma vez o desafio de equilibrar suas contas públicas, um teatro hipócrita se desenrola no Congresso Nacional. Parlamentares que cobram com veemência cortes em investimentos sociais — sob o pretexto da responsabilidade fiscal — são os mesmos que exigem, nos bastidores, a liberação bilionária de emendas parlamentares, muitas vezes secretas e desvinculadas de qualquer projeto de interesse coletivo.
Essa contradição é mais do que uma incoerência: é um modelo de poder baseado na chantagem política, na troca de favores e no desmonte deliberado do orçamento público como instrumento de planejamento nacional. O recente debate sobre o novo arcabouço fiscal expôs a face oculta do Legislativo brasileiro: deputados que ameaçam não aprovar o orçamento ou as metas fiscais se suas emendas não forem incluídas. É o “toma lá, dá cá” institucionalizado.
O valor das emendas exigidas para 2025 ultrapassa os R$ 50 bilhões. Para comparação, isso é mais do que o orçamento inteiro de ministérios como Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia — somados. Ou seja, enquanto a população ouve que “não há recursos” para educação, transporte ou habitação, o cofre da União está aberto para alimentar o balcão de negócios do Congresso.
Esse mecanismo se acentua com a herança do chamado “orçamento secreto” — que, mesmo após a intervenção do STF, continua operando sob novas roupagens, com a autoria das emendas diluída em comissões temáticas, dificultando o rastreamento de interesses e beneficiários. A transparência prometida não se concretizou. O controle permanece concentrado nas mãos de líderes partidários e presidentes de comissão.
Mas a hipocrisia não termina aí.
Nas últimas semanas, foi retomada a discussão sobre uma proposta de aposentadoria especial para deputados, que garantiria benefícios acima do teto constitucional e em tempo muito inferior ao exigido para o cidadão comum. Um privilégio que contrasta com o discurso de “sacrifício fiscal” imposto à maioria da população.
Além disso, cresce a influência de setores privados — especialmente fintechs, o agronegócio e o mercado financeiro — sobre a atuação de parlamentares. Bancadas inteiras se articulam em defesa de interesses empresariais, muitas vezes redigindo leis sob encomenda. As fintechs pressionam por um ambiente regulatório mais frouxo, o agronegócio por subsídios e isenções, enquanto o mercado financeiro joga com a instabilidade gerada por votações e ameaças de descontrole fiscal que, ironicamente, são causadas pelas próprias ações do Legislativo.
A política econômica, diante disso, torna-se refém de uma engrenagem perversa: o Executivo tenta manter credibilidade fiscal, mas é sabotado por um Congresso que gera instabilidade, afeta câmbio, derruba expectativas de crescimento e, em última instância, prejudica os mais pobres.
É preciso dizer claramente: o maior risco fiscal do Brasil hoje não está nos programas sociais ou nas universidades públicas. Está no Congresso Nacional — em seus métodos obscuros de negociação, na naturalização da barganha, e na construção de uma elite política que governa com base no próprio interesse.
Se o país deseja retomar um caminho de desenvolvimento sustentável, precisa romper com essa lógica. Isso exige fortalecer os instrumentos de planejamento estatal, devolver ao Executivo a autonomia sobre o orçamento e instituir mecanismos reais de transparência sobre o uso dos recursos públicos.
Acima de tudo, é necessário que a sociedade se recuse a aceitar o cinismo como normalidade.
A farsa da austeridade não pode mais se sustentar. O povo brasileiro merece mais do que uma encenação.