Crônicas de Domingo

A Era dos Influenciadores Vazios: Quando a Imagem Vale Mais que a Verdade

Ser influenciador de si mesmo é a cura para uma doença que atinge toda a sociedade

Por: @cezinhamarques- Jornalista

Nunca foi tão fácil se tornar uma figura pública. Bastam um celular, uma câmera ligada e disposição para dizer qualquer coisa que provoque cliques. A cultura digital, movida por algoritmos que priorizam reações ao invés de reflexões, criou uma legião de “influenciadores” que, na prática, influenciam pouco — ou influenciam mal. Pessoas despreparadas, muitas vezes sem formação, sem repertório cultural, sem princípios éticos e sem qualquer compromisso com a verdade passaram a ocupar um espaço central na construção da opinião pública.

Não se trata de criticar a democratização das vozes ou o surgimento de novos protagonistas sociais. O problema é quando essa visibilidade é sustentada unicamente pela estética, pelo sensacionalismo ou pela agressividade — e não por conteúdo, responsabilidade ou consciência coletiva. Muitos desses “caras níquel” dominam a estética do engajamento, mas ignoram completamente as consequências do que dizem ou propagam.

Fama sem base: um palco perigoso

A ascensão meteórica de certos perfis se baseia em fórmulas fáceis: polêmica, exposição da vida íntima, escândalo, desinformação e ataques. Com isso, pessoas que não compreendem minimamente os temas sobre os quais falam se tornam fontes de “verdade” para milhões. Comentam, com arrogância e ignorância, temas como política, saúde pública, educação, questões raciais ou direitos humanos — sempre com o foco no impacto, nunca na verdade.

Falta cultura, sobra ego

O desprezo por conhecimento e cultura é uma das marcas mais perigosas desse fenômeno. O influenciador vazio se sustenta pela aparência, pela performance, e não pela substância. Ele substitui leitura por frases de efeito, escuta por julgamento, empatia por sarcasmo. E como os algoritmos recompensam esse tipo de comportamento, o resultado é um ecossistema digital onde quem mais grita tem mais alcance — ainda que o que esteja gritando seja uma mentira.

Essa lógica estimula a vaidade e abafa o pensamento crítico. A superficialidade se torna regra, e o ego vira produto. Com isso, a ideia de verdade passa a ser uma questão de conveniência, e não de fato.

A ética sufocada pelo engajamento

Com a monetização do conteúdo, a ética virou um detalhe opcional. Mentiras são ditas sob o disfarce da “opinião pessoal”. Ataques a pessoas e instituições são tratados como “autenticidade”. Patrocínios são disfarçados de recomendações sinceras. Muitos desses perfis sequer se responsabilizam pelos efeitos do que publicam. A única métrica que importa é o número de curtidas, views e seguidores.

O resultado é um ambiente tóxico, onde a manipulação é normalizada e o senso de responsabilidade desaparece. Quem paga o preço por isso é o público, cada vez mais exposto à desinformação, ao ódio e à alienação.

Que sociedade estamos formando?

A consequência mais grave de tudo isso é o tipo de sociedade que estamos ajudando a formar. Uma sociedade baseada em mentiras, moldada por falsos discursos, e seduzida por figuras vazias. Uma sociedade onde a desinformação se alastra mais rápido que a verdade, onde a aparência importa mais que a integridade, e onde o pensamento crítico é substituído por reações impulsivas.

Estamos criando gerações que confundem influência com gritaria, sucesso com viralização, opinião com ataque. Jovens que, em vez de se inspirarem em ideias transformadoras, são guiados por conteúdos rasos, que reforçam preconceitos, alimentam polarizações e esvaziam o debate público.

Num país com enormes desafios sociais, econômicos e educacionais, esse tipo de influência não só atrasa o progresso como agrava injustiças. Porque uma sociedade mal informada é uma sociedade mais fácil de manipular, de dividir e de controlar.

O antídoto: educação, jornalismo e consciência crítica

Diante disso, torna-se urgente defender a educação como prioridade absoluta. Só uma população com acesso ao conhecimento, ao debate plural e à leitura da realidade pode resistir à manipulação digital. A imprensa profissional, apesar de seus limites, ainda é uma das poucas instituições que operam com protocolos de apuração, responsabilidade e compromisso com a verdade.

Além disso, cada um de nós precisa se tornar seu próprio influenciador — guiado por valores, por senso crítico e por uma busca constante pela verdade. É necessário aprender a duvidar, a checar, a refletir. A não compartilhar no impulso. A resistir à sedução da mentira fácil.

Não basta questionar os influenciadores. É preciso também refletir sobre quem estamos nos tornando ao consumi-los sem filtro. Porque influenciar é um ato de poder — e todo poder, quando mal exercido, cobra um preço coletivo. E o preço de uma sociedade mal influenciada é alto: perda da democracia, da empatia, da inteligência e, sobretudo, da verdade.

@cezinhamarques- Jornalista premiado três vezes com o prêmio Jânio Lopo de jornalismo. É cronista do site Bahiapress e curador de um canal no YouTube: Next Trip – @jornalistanakombi

É fotógrafo, mergulhador, poeta e nas horas vagas viaja pelo mundo.

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