Viver é verbo
Após a morte da publicitária Juliana em uma trilha na Indonésia, reações de ódio nas redes escancararam a desumanização política no Brasil

Juliana morreu tentando viver.
Não estava doente, não estava em guerra. Estava numa trilha, na Indonésia. Um vulcão no horizonte, o mundo aos pés. Talvez estivesse suando, com o coração acelerado e aquele tipo de silêncio que só se ouve no alto das montanhas.
Mas ela caiu. E morreu.
A notícia, como todas, ganhou a frieza das manchetes: “Brasileira morre durante trilha na Indonésia”. Nome, idade, cidade natal, causa da morte. Fim. Só que para além do fato, havia uma vida. E para além da vida, veio o escárnio.
Nos comentários das redes sociais, onde a humanidade costuma se dissolver em curtidas e ironias, surgiram as vozes do ódio:
“Já foi tarde.”
“Uma petista a menos.”
“Menos um voto pro Lula.”
Não eram bots. Eram pessoas. Gente que veste camisa da seleção no domingo, que beija o filho antes de dormir. Gente que, talvez, nem perceba mais que passou do limite — ou que deixou de ter limite.
É nesse momento que a gente para. Silencia. E se pergunta:
Que país é esse, onde até a morte virou motivo de disputa?
Juliana morreu, sim. Mas ela fazia algo que muita gente esqueceu: ela estava vivendo. Não no sentido banal do termo, não o viver automático dos dias que passam correndo. Ela estava se movendo. Respirando o mundo. Apostando no imprevisível.
E isso me lembra uma coisa simples, mas que às vezes esquecemos:
Viver é verbo. Não é substantivo.
Viver é ação, não posse. É atravessar o tempo com o corpo presente, mesmo quando a alma hesita. Não é um título que a gente pendura na parede. É tropeço, impulso, recomeço, queda. É levantar da cama num dia sem sol. É dizer “sim” mesmo com medo. É errar com a esperança de acertar.
Quem transforma a vida em substantivo corre o risco de cristalizá-la. De transformá-la em objeto. Em coisa. Como se fosse possível engarrafar a existência e vendê-la em prateleira.
Juliana, ao contrário, viveu como verbo. No gerúndio. Caminhando. Conjugando o risco, a paisagem, o fôlego.
E mesmo na sua ausência, ela nos lembra: uma ideia não morre.
Nós somos milhões.
Milhões que ainda creem na empatia, no respeito, na liberdade de ser e existir.
Juliana se foi. Mas o verbo segue.
E enquanto houver quem conjuga o viver com coragem e ternura, ainda há esperança.
Porque viver não é produto.
É processo.
E a gente segue — vivendo.
Por: @cezinhamarques
Jornalista premiado três vezes com o prêmio Jânio Lopo de jornalismo. É cronista do site Bahiapress e curador de um canal no YouTube: Next Trip – @jornalistanakombi
É fotógrafo, mergulhador, poeta e nas horas vagas viaja pelo mundo.