Economia

Déficit Previdenciário do MEI Pode Chegar a R$ 1,9 Trilhão: Estudo Aponta Risco de Colapso nas Contas da Previdência

Criado para formalizar trabalhadores informais, o regime do Microempreendedor Individual acumula um rombo atuarial bilionário e é apontado por especialistas como ameaça à sustentabilidade da Previdência Social no Brasil

A criação do Microempreendedor Individual (MEI), há 16 anos, representou um avanço na formalização de pequenos negócios no Brasil. No entanto, um estudo recém-publicado pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) alerta para um desequilíbrio crescente nas contas da Previdência Social causado pelo modelo.

Segundo projeções do pesquisador Rogério Nagamine, ex-subsecretário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), o MEI já contratou um déficit atuarial de R$ 711 bilhões — valor que pode chegar a R$ 974 bilhões se houver ganho real de 1% ao ano no salário mínimo. No horizonte de 70 anos, esse buraco pode atingir R$ 1,9 trilhão.

O déficit atuarial ocorre quando os compromissos futuros com benefícios previdenciários superam os recursos arrecadados para custeá-los. “Do ponto de vista estrutural, é uma bomba previdenciária”, afirma Nagamine. Atualmente, os MEIs representam quase 12% dos contribuintes do INSS, mas respondem por apenas 1% da arrecadação previdenciária.

A principal razão é a alíquota reduzida: o MEI paga apenas 5% do salário mínimo por mês. Considerando os 180 meses (15 anos) exigidos para aposentadoria por idade, o valor total pago gira em torno de R$ 18 mil. “Em um ano de aposentadoria, esse valor já retorna ao contribuinte”, explica a advogada Adriane Bramante, conselheira da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

Embora reconheça a importância social do MEI para inclusão de trabalhadores de baixa renda, Bramante também alerta para o impacto fiscal. O estudo mostra que o regime contribui para distorções no mercado de trabalho, estimulando a migração de trabalhadores com carteira assinada para a informalidade travestida de formalização.

Casos como o da chamada “Lei do Salão Parceiro”, que permite a contratação de cabeleireiros e manicures como MEIs, ilustram a substituição crescente de contratos CLT por parcerias que, na prática, mascaram vínculos empregatícios. “Há até faculdades privadas que substituem professores com carteira assinada por prestadores de serviço via MEI”, diz Nagamine.

O regime também tem sido usado para finalidades não previstas, como a obtenção de planos de saúde, que muitas operadoras não oferecem a pessoas físicas. “Há desvio de finalidade e conduta, isso precisa ser corrigido”, aponta Bramante.

Mesmo assim, há pressões políticas para ampliar ainda mais o alcance do MEI. Propostas em tramitação no Congresso sugerem elevar o teto de faturamento de R$ 81 mil para R$ 130 mil anuais e permitir a contratação de mais um funcionário. Para os especialistas, isso agravaria ainda mais o desequilíbrio do RGPS.

Nagamine critica ainda a comparação frequente entre o MEI e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos de baixa renda que não contribuíram. Embora o MEI arrecade algo, ele gera despesas muito superiores ao BPC, ao dar acesso a aposentadoria com 13º salário, pensão por morte, auxílio-doença e salário maternidade.

Procurados, os Ministérios da Previdência Social e do Empreendedorismo, da Micro e Pequena Empresa não se pronunciaram até o fechamento desta reportagem.

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